Em 2002 Wagner Martins, atualmente
na Fiocruz Brasília, convidou-me para ajuda-lo a organizar uma “sala de
situação” do PROFAE (Projeto de Profissionalização dos Trabalhadores da Área de
Enfermagem). Aceitei.
Era a segunda vez que saia do Rio
de Janeiro, minha terra-natal, para trabalhar em outro lugar: já trabalhara em
Itararé (interior de SP) e em Eunápolis (interior da BA), quando era
profissional da empresa Nativa Engenharia S.A., em 1989, se não me falha a
memória.
Cheguei em Brasília no final do
governo FHC. Serra já não era mais ministro e acompanhei a transição
político-administrativa organizada pelo PSDB.
Les Bleus vs Les rouge. Campanha
presidencial: PT vs PSDB. Campanha a governador distrital (algo que, para mim,
não faz sentido, dado que é um território federal, área de segurança, cujo
perímetro deveria ser menor, etc e tal).
Wagner, sua esposa Raquel e a
pequenina Amanda me acolheram carinhosamente em sua casa. Eu ainda fumava e
tentava faze-lo sem incomodar o que, obviamente, era impossível. Felizmente os
três eram e são pessoas tolerantes com as fraquezas alheias.
Nas ruas do plano piloto, a
disputa política difusa materializava-se em símbolos azuis e vermelhos:
camisas, adesivos, flâmulas, tiras de plástico amarradas a antenas ou
limpadores de para-brisas. Em nível federal, prevaleceu o vermelho, em nível
distrital, azul.
No dia seguinte a minha descida
no aeroporto JK, conheci a mulher com quem viria a me casar, ter dois lindos
filhos e, em 2014, me separar. Processo, fluxo, mudanças.
Doze anos com secas, chuvas,
alegrias, tristezas, deslumbramentos e decepções. Doze anos depois, alguns
calos a mais, mais cético talvez, em um processo de retorno crítico ao
anarquismo dos meus 17 anos, agora mediado pela experiência como um esquerdista moderado; como “consultor internacional” sofredor
das arbitrariedades da Receita Federal; como Mestre em saúde coletiva e
doutorando em geografia; como estudante de Aikido e Arnis Kali; como pai; como
marido; e, agora, como servidor público federal qualificado e mal remunerado;
revivo o que vivi em 2002.
Os vermelhos versus Os azuis. Uma
reprise com chance razoável de um desfecho diferente daquele que levou o
primeiro nordestino, operário, líder sindical não-universitário, jogador de
futebol e bebedor de cachaça, um não-burocrata público, à chefia do executivo
federal por meio de eleição direta no Brasil.
Independentemente da vitória dos
Azuis ou dos Vermelhos, o governo federal será outro em 2015. Se Dilma ganhar,
será impossível manter o estado de coisas atual: estruturas e nomes mudarão. Se
Aécio ganhar, o mesmo ocorrerá.
Exú e Oxumaré, alguns dizem,
regem 2014 (ou influenciam fortemente). Ano de mudanças, de inflexões importantes. Tais mudanças podem
significar mudanças em trajetórias ou apenas ajustes conjunturais ?
Parece-me que em todas as
eleições, os eleitores ou votam pela “mudança”, ou, céticos, votam por votar.
Sempre mudança. Sempre ceticismo. O recado está sendo dado há muito tempo: as
formas com que a relação estado-sociedade-mercado se dá no Brasil já não
satisfaz à maioria.
Isto é o que ninguém mais
aguenta: clientelismo, patrimonialismo, insulamento burocrático, autoritarismo,
falta de participação popular nas decisões políticas não-marginais (as que
importam, o que é muitíssimo diferente de CONTROLE social), entre tantas outras coisas
que nos formam e conformam há 500 anos.
Pois é...
Do ponto-de-vista de minha
biografia, 2014 é como o retorno a 2002. O eterno retorno do mesmo, mas sempre
diferente.
“... as ações do homem são em geral eficazes em razão, de se
adaptarem tanto aos fatos particulares que ele conhece quanto a um grande
numero de outros fatos que não conhece nem pode conhecer. E essa adaptação às
circunstâncias gerais que o cercam é fruto de sua observância de normas que ele
não criou deliberadamente e, com frequência, sequer conhece explicitamente,
embora seja capaz de respeitá-las na prática. Ou, em outras palavras, nossa
adaptação ao meio não consiste apenas, e talvez nem mesmo principalmente, numa
apreensão de relações de causa e efeito, mas também em serem nossas ações
pautadas por normas adaptadas ao tipo de mundo em que vivemos, ou seja, a
circunstancias de que não temos consciência e que, no entanto, determinam a
configuração de nossas ações bem-sucedidas.”
F.Hayek; Direito, legislação e liberdade; p.6.
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