Sensei. Não significa exatamente professor, mas aquele que viveu o que você está vivendo, passou pelo que você já passou, que nasceu antes.
Após esses anos de estudo, ouso a refletir um pouco sobre Aikido. Reflexões essas que compartilho com meus amigos de estudo, minha esposa e meus filhos. Compartilho-as com vocês agora, de uma forma não muito sistemática, quase que aforística.
São pensamentos inconclusos, ainda estou estudando, sentindo.
Reflexão 1
Aikido é uma arte marcial. Isso significa duas coisas basicamente: é arte, em sendo arte, tem que ser sentido como belo. A estética dos movimentos importa; por outro lado, a estética não é um fim em sim mesmo, ela só tem sentido, se complementar a marcialidade, a anulação do movimento agressivo inicial. Shikanai Sensei sempre fala que no treino de Aikido, o movimento feito entre os parceiros tem que "encaixar". Se não encaixar, não é belo, nem eficiente. Nesse sentido, é como uma dança, onde os parceiros tem que se "encaixar": tempo, ritmo, distância, objetivo, etc.
Koshi nage: arremesso com quadril. Um dos movimentos que, quando encaixa, é muito bonito.
Reflexão 2
Penso que Aikido tem duas origens, duas fontes: uma é o Daito Ryu AikiJujutsu e outra a religiosidade de Morihei Ueshiba, um dos pilares da organização Xintoísta denominada Oomoto.
O estilo Daito de Aikijujutsu é uma técnica de combate. Técnica de combate significa, basicamente, anular o oponente da forma mais eficiente e rápida possível.
Daito Ryu Aikijujutsu
Morihei Ueshiba, ao criar o Aikido a partir do Daito Ryu e de sua religiosidade, retirou adaptou o conjunto das técnicas, para que o Aikido tornar-se uma forma de unir as pessoas, de aumentar o nível de cooperação e comunicação entre os praticantes.
Morihei Ueshiba, criador do Aikido e um dos principais personagens da Oomoto.
Em A Arte da Paz, um pequeno e bom livro, Ueshiba afirma explicitamente:
Mesmo que o nosso
caminho seja completamente diferente das artes guerreiras do passado,
não é necessário abandonar totalmente os costumes antigos. Absorve
as tradições veneráveis, vestindo-as de forma mais actual e
apoia-te nos estilos clássicos para construires melhores formas.
O treino diário na
Arte da Paz permite que a tua entidade divina brilhe cada vez mais.
Não te preocupes com o certo e o errado dos outros. Não sejas
calculista nem ajas de forma pouco natural. Mantém o teu espírito
concentrado na Arte da Paz e não critiques outros professores ou
tradições. A Arte da Paz nunca restringe nem oprime nada. Abraça
todos e purifica tudo.
Reflexão 3
Aikido é para a vida toda. Muitas vezes li isso. Muitas vezes ouvi isso de alunos mais velhos. No início, pensei que isso tivesse relação com as dificuldades para a execução do sem-número de técnicas.
Depois, com meu aprendizado e com um pouco mais proximidade com Sensei Nelson e Sensei Shikanai, passei a pensar em termos de perfeição. Como se houvesse um modelo perfeito que devesse ser imitado.
Atualmente, penso de um modo um tanto quanto que diferente em relação à perfeição, em função de alguns "insights" que venho tendo ao longo dos últimos meses.
Aikido é para vida a toda, contanto que seu objetivo não seja aprender a nocautear alguém, a quebrar ossos ou matar. Isso é muito fácil e não é necessário grande tempo de treinamento, basta vontade.
Penso que Aikido é para vida toda por uma questão relativamente simples, daí a dificuldade, pois nós sempre sentimos um prazer egoísta enorme em achar coisas difíceis e dizer orgulhosamente que as superamos.
Aikido é equilíbrio. O equilíbrio não significa inexistência de conflito, mas, sim, partindo do conflito, uma estratégia para reequilibrar. Equilíbrio e desequilíbrio. Relação dialética, que faz-me lembrar de uma gravura que vi pela primeira num dos três volumes do livro Aikido, escrito por Wagner Bull Sensei.
Aikido como síntese do quadrado, triângulo e círculo.
Fundamentalmente, Aikido trata da relação entre equilíbrio e desequilíbrio: só é possível desequilibrar alguém, caso se esteja equilibrado. Equilíbrio físico e mental. Postura física, atitude mental. Sempre me vem a mente Muhammad Ali, Roy Jones Jr e Anderson Silva com suas provocações durante o combate.
Provocar um ataque desequilibrado do adversário é uma estratégia bem sucedida em qualquer combate. Encontrar o ponto de desequilíbrio do adversário é fundamental em qualquer arte marcial de contato.
Quando uma pessoa anda, seu movimento é desequilibrar/equilibrar, com o corpo executando muitas e complexas operações mentais e musculares. Nossa base é naturalmente instável: um triângulo com 2 vértices.
Em geral, a postura de combate, com um pé a frente e outro atrás, é instável, pois é um triângulo com 2 vértices apenas. Em certo sentido, o estudo de Aikido busca encontrar o ponto onde estaria o terceiro vértice: nesse ponto, o oponente cai.
Em pé, não somos um quadrado, somos um triângulo imperfeito.
Aikido é para vida toda, pois encontrar este ponto de desequilíbrio não é simples, pois cada pessoa é diferente da outra: uns são altos, outros baixos, uns pesados, outros leves, uns flexíveis, outros duros, etc. Então, é virtualmente impossível aplicar exatamente a mesma forma técnica em 2 pessoas diferentes, pois seus pontos de desequilíbrio mudam.
É o que chamamos de "procurar o caminho". E não há um caminho, mas infinitos.
Provavelmente, esse contexto perpassa todas as artes onde o agarramento é parte da técnica: Judô e Jujutsu, por exemplo.
Não por acaso fico de boca aberta quando vejo engenheiros e físicos desenvolvendo robôs bípedes que sobem/descem escadas e andam em terrenos irregulares: http://www.youtube.com/watch?v=uAspqCD34Hw
Não por acaso fico de boca aberta quando vejo engenheiros e físicos desenvolvendo robôs bípedes que sobem/descem escadas e andam em terrenos irregulares: http://www.youtube.com/watch?v=uAspqCD34Hw
Reflexão 4
Por que agarrar se posso socar ou chutar ?
Um Aikidoísta não tem boa técnica de chute ou de soco, como regra geral. Quem estuda boxe, karatê, muay thai, arnis kali, sabe disso. Treinamos defesas contra chutes e socos, mas não somos chutadores ou socadores.
Por que isso ? Percussão ou desequilíbrio/agarramento ?
Acredito que isso tenha relação com a origem das artes marciais japonesas no período feudal. Todas as formas de Jujutsu que ainda existem vêm dessa época.
Samurai usando traje de combate
Todos já devem saber que "Samurai" significa "aquele que serve". Samurai era um vassalo, um vassalo com uma função específica e valorizada: proteger militarmente seu senhor, o Daimyo.
Na foto, pode-se ver que um Samurai, quando preparado para combate, além de sua famosa espada longa (Katana), usava uma armadura. Sim, uma armadura e um capacete. Alguns usavam, inclusive, uma máscara para assustar o inimigo e proteger o rosto.
Contra um oponente armado e utilizando uma armadura, não faz o menor sentido socar e chutar. Tudo o que alguém com uma lança ou uma lâmina quer é que seu oponente esteja desarmado e próximo de sua arma.
Num combate, se um dos samurais perdesse suas armas só teria uma chance de sobreviver contra o oponente armado: aproximar-se e derrubá-lo ao chão, tornando a armadura um problema, não uma vantagem.
Então, os ataques de segurar, agarrar, etc... fazem sentido se você, originalmente, não pode socar ou chutar alguém por ele ter uma armadura e uma máscara de ferro.
Dessa forma, penso que Aikido e os diferentes estilos de jujutsu tem como fundamento esse contexto marcial: o início do combate era feito por samurais armados e com armadura, a longa ou média distância.
Espada maior: Katana. Espada menor: Wakisashi.
Conforme o combate se desenvolvia, caso se perdesse a arma, então, sim, técnicas de agarramento eram utilizadas: o desarmado tentando tirar a vantagem do armado; o armado tentando livrar-se do desarmado. Aikido baseia-se em uma série de movimentos onde o combatente armado tem que se livrar do desarmado que tenta imobilizá-lo total ou parcialmente. Não sei se essa percepção é a correta, mas é que hoje eu tenho.
Fim, por enquanto.
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