SOBRE AMÁLGAMAS
Um longo aforismo sobre
nós e o ocorrido com o Museu Nacional
Uma
edificação do século XIX foi destruída pelo fogo.
Esta
edificação, o Palácio de São Cristóvão, localizava-se em uma belíssima área,
que poderia valorizar todos imóveis em seu entorno, como o faz o Central Park
em Nova Iorque, a Quinta da Boa Vista. Do Palácio, à época, era possível ver a
Baia de Guanabara.
Nos
1800 esta área pertencia a um influente e rico traficante de escravos, Elias
Antônio Lopes. Quando o governo português desembarcou no Brasil em 1808, a
Quinta e seu belo prédio foram dados ao Príncipe-Regente D.João.
Com
o golpe militar que introduziu a forma republicana de governar as pessoas e o
território, a Quinta foi utilizada pela Assembleia Nacional no processo de
produção da Constituição de 1891.
Em
1892 a recém-criada república brasileira aloca o Palácio para abrigar o Museu Nacional,
que fora criado por D. João VI em 06/06/1818 e instalado no Campo de Santana,
Centro do Rio de Janeiro.
Este
aforismo é sobre o Museu Nacional e os amálgamas que nos fundam. Presente de
traficante para Príncipe e golpe militar que cria uma república sem que houvesse uma
escaramuça armada relevante (e sem estados politicamente autônomos que façam um
acordo para formar uma federação).
O
Palácio de São Cristóvão ardeu em chamas, edificação que em si mesma era
memória histórica. Arderam em chamas milhões de itens comprados e coletados.
Itens que eram o fundamento material para a produção de conhecimentos por
brasileiros e estrangeiros.
Em
minha cabeça idealista a narrativa do parágrafo anterior aponta outro amálgama:
fusão em um só lugar dos papéis a) expositivo (disseminador, vulgarizador); b)
armazenador de bens; c) local de trabalho da burocracia; d) local de trabalho
de pesquisadores; e) local de trabalho de professores; entre outros.
Creio
que esta sobreposição de papéis/funções reflete ou produz outro amálgama. Em nosso arranjo educacional superior misturamos a função
de professor, com a de pesquisador, com a de administrador público. Esse amálgama
produz não-especialização do trabalho. Produz sofrimento para professores que
gostariam de dar aula, para pesquisadores que gostariam de pesquisar e para
administradores que deveriam se dedicar a organizar o funcionamento do estabelecimento de ensino OU
pesquisa superior(es).
Misturamos
tudo. Ao invés de especialistas em técnicas e tecnologias avançadas este
mecanismo de amalgamento produz artesãos majoritariamente insatisfeitos.
Amálgamas
há também na extensão e profundidade com que nosso sistema político age em
nosso sistema educacional (com mais intensidade no ensino superior). Será
que isso ocorre por ser o mesmo majoritariamente estatal, sendo, portanto, intestinos
os critérios de eficiência, eficácia e efetividade, além de extrínsecos à sua
existência os cidadãos-financiadores-consumidores (outro amálgama) ?
O
Museu pegou fogo. Quase tudo virou pó. Torço para que este terrível acontecimento,
com o calor de sua infâmia, contribua para a desconstrução estrutural destes
amálgamas e de tantos outros que nos fazem ser o que somos: o país do futuro
que nunca vem, pois nosso passado foi-se e tudo concorre para nos manter presos no jogo presente, com seus quase-constantes ganhadores e perdedores.
Parabéns!
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