Depois de uns 2 ou 3 anos, eis que retorno aos estudos bem
estruturados da Universidade.
Dessa vez, enquanto membro iniciante do processo de
doutoramento em geografia da Universidade de Brasília. No processo seletivo,
por incrível que possa parecer a um psicólogo, fui o que teve pontuação mais
elevada.
Esse fato traz-me, subjetivamente, algumas
responsabilidades, algumas metas a serem perseguidas. A primeira e mais
importante delas: que estes 3 ou 4 anos sejam divertidos para mim, minha orientadora,
demais professores e colegas. Manter o rigor é outra.
Aquele objetivo pessoal de estudar com James G. March, na
Stanford University, talvez seja adiado para o pós-doutoramento. Mais uma meta,
só que agora com uns 50 anos ou um pouquinho mais. Vamos ver.
A aula de hoje fui muito interessante, pois vejo-me inserido
na perspectiva de um curso de “Teoria e métodos em geografia” tornar-se, na
verdade, um curso de filosofia (filosofia do conhecimento) aplicada à
geografia, ou com um viés geográfico explícito.
Se assim for, será ótimo. Que assim seja !
Para festejar esse (re)começo (ou seria mais uma atualização
das muitas que virão ?) um pequeno texto extraído do livro A dialética do esclarecimento, escrito por T. Adorno e M.
Horkheimer. O trecho chama-se: Contra os
que têm resposta para tudo. Vale para muitos, inclusive eu mesmo.
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Contra os que têm
resposta para tudo. In A dialética do esclarecimento. Adorno e Horkheimer.
Uma das lições
que a era hitlerista nos ensinou é a de como é estúpido ser inteligente.
Quantos não foram os argumentos bem fundamentados com que os judeus negaram as
chances de Hitler chegar ao poder, quando sua ascensão já estava clara como o
dia!
Tenho na
lembrança uma conversa com um economista em que ele provava, com base nos
interesses dos cervejeiros bávaros, a impossibilidade da uniformização da
Alemanha. Depois, os inteligentes disseram que o fascismo era impossível no
Ocidente.
Os
inteligentes sempre facilitaram as coisas para os bárbaros, porque são tão
estúpidos. São os juízos bem informados e perspicazes, os prognósticos baseados
na estatística e na experiência, as declarações começando com as palavras:
“Afinal de contas, disso eu entendo”, são os statements1 conclusivos e sólidos
que são falsos.
Hitler era
contra o espírito e anti-humano. Mas há um espírito que é também anti-humano:
sua marca é a superioridade bem informada.
Adendo
A
transformação da inteligência em estupidez é um aspecto tendencial da evolução
histórica. Ser razoável, no sentido em que o entendia Chamberlain, quando, em
Godesberg, chamava as exigências de Hitler de unreasonable, significa que é preciso respeitar a equivalência
entre dar e tomar. Essa concepção da razão foi elaborada com base na troca. Os
fins só devem ser alcançados através de uma mediação, por assim dizer, através
do mercado, graças à pequena vantagem que o poder consegue tirar observando a
regra do jogo: concessões em troca de concessões. A inteligência é superada tão
logo o poder deixa de obedecer à regra do jogo e passa à apropriação imediata.
O meio da inteligência tradicional burguesa, a discussão. se desfaz. Os
indivíduos já não podem mais conversar e sabem disso: por isso fizeram do jogo
uma instituição séria, responsável e exigindo a utilização de todas as forças,
de tal sorte que, por um lado, o diálogo não é mais possível e, por outro, nem
por isso é preciso se calar. As coisas não se passam de modo muito diferente
numa escala maior. Não é fácil falar com um fascista. Quando o outro toma a
palavra, ele reage interrompendo-o com insolência. Ele é inacessível à razão
porque só a enxerga na capitulação do outro.
A contradição
que consiste na estupidez da inteligência. é uma contradição necessária. Pois a
ratio burguesa tem que pretender a
universalidade e, ao mesmo tempo, desenvolver-se no sentido de restringi-la.
Assim como, na troca, cada um recebe sua parte, daí resultando, porém, a
injustiça social, assim também a forma reflexiva da economia da troca, a razão
dominante, é também justa, universal e, no entanto, particularista, isto é, o
instrumento do privilégio na igualdade. É a ela que o fascista apresenta a
conta. Ele representa abertamente o particular e revela assim as limitações da
própria ratio, que insiste
injustificadamente em sua universalidade. O fato então de que, de repente, os
inteligentes são os estúpidos prova para a razão que ela é a irrazão.
Mas o fascista
também é atormentado por essa contradição. Pois a razão burguesa, de fato, não
é meramente particular, mas também universal, e sua universalidade cai de
surpresa sobre o fascismo, quando ele a renega. Os que tomaram o poder na
Alemanha eram mais inteligentes do que os liberais, e mais estúpidos. O
progresso em direção à nova ordem recebeu um amplo apoio daqueles cuja
consciência não acompanhou o progresso, ou seja, dos falidos, dos sectários,
dos tolos. Eles estão a salvo dos erros, na medida em que seu poder impede toda
competição. Mas, na competição dos Estados, os fascistas não só são igualmente
capazes de cometer erros, mas também, com suas qualidades como miopia
intelectual, obstinação, desconhecimento das forças econômicas e, sobretudo,
com a incapacidade de ver o negativo e levá-lo em conta na avaliação da
situação em seu conjunto, também contribuem subjetivamente para a catástrofe
que, no íntimo, sempre esperaram.
Neste país,
não há nenhuma diferença entre o destino econômico e o próprio homem. Todo o
mundo é o que é sua fortuna, sua renda, sua posição, suas chances. Na
consciência dos homens, a máscara econômica e o que está debaixo dela coincidem
nas mínimas respostas. Cada um vale o que ganha, cada um ganha o que vale. Ele
aprende o que ele é através das vicissitudes de sua vida econômica. Ele não se
conhece de outro modo. Se a crítica materialista da sociedade objetou outrora ao
idealismo que não é a consciência que determina o ser, mas é o ser que
determina a consciência, que a verdade sobre a sociedade não será encontrada
nas concepções idealistas que ela elaborou sobre si mesma, mas em sua economia,
a autoconsciência dos contemporâneos acabou por rejeitar semelhante idealismo.
Eles julgam seu próprio eu segundo o valor de mercado e aprendem o que são a
partir do que se passa com eles na economia capitalista. Seu destino, por mais
triste que seja, não lhes é exterior, eles o reconhecem.
Despedindo-se
o chinês, “Disse com a voz velada de tristeza:
Meu amigo a sorte não me sorriu neste mundo.
Para onde vou ? Vou para as montanhas,
Busco sossego para meu coração solitário.”
(“Sprach mil umjlorler Stimme: Du mein
Freund Mir war das G/iick in dieser Well nicht
ho/d. Wohin ich geh? lch wandere in die Berge.
Ich suche Ruhe jiir mein einsam Herz.”)
I am a
failure, diz o norte-americano. – And
that is that.
Horkheimer, M.
Adorno, T.
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