De Janeiro a Abril de 1979 dedicou seu tradicional e concorrido curso no Collège de France ao tema do Biopoder, da Biopolítica.
Neste curso há a melhor análise do neoliberalismo que já li até hoje.
Antes de ter lido "O nascimento da biopolítica", tradução brasileira do curso editada pela Martins Fontes, minhas idéias eram a repetição do discurso da moda, que dizia que neoliberalismo é igual a estado mínimo, entre outras coisas.
A análise de Foucault leva-nos a uma conclusão oposta: o neoliberalismo é uma intervenção estatal generalizada, intensa, muito mais ambiciosa do que simplesmente privatizar um monopólio estatal.
As duas perguntas que ficam após a leitura dos argumentos e um olhar da realidade com suas lentes, em minha opinião, são: a) onde não há neoliberalismo (ou ordoliberalismo) ? b) será ele, o ordoliberalismo, uma monstruosidade ?
Abaixo, um extrato a aula ministrada por Foucault em 14/02/1979... Eu faria 11 aninhos em 25/02 daquele ano.
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Por fim, um pouco de F.A.Hayek, um dos mais importantes membros da Escola Austríaca, os ordoliberais, falando sobre um tema muito, muito caro para muitos de nós:
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Neste curso há a melhor análise do neoliberalismo que já li até hoje.
Antes de ter lido "O nascimento da biopolítica", tradução brasileira do curso editada pela Martins Fontes, minhas idéias eram a repetição do discurso da moda, que dizia que neoliberalismo é igual a estado mínimo, entre outras coisas.
A análise de Foucault leva-nos a uma conclusão oposta: o neoliberalismo é uma intervenção estatal generalizada, intensa, muito mais ambiciosa do que simplesmente privatizar um monopólio estatal.
As duas perguntas que ficam após a leitura dos argumentos e um olhar da realidade com suas lentes, em minha opinião, são: a) onde não há neoliberalismo (ou ordoliberalismo) ? b) será ele, o ordoliberalismo, uma monstruosidade ?
Abaixo, um extrato a aula ministrada por Foucault em 14/02/1979... Eu faria 11 aninhos em 25/02 daquele ano.
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[Desculpem-me] por ter me
demorado tanto e tão banalmente sobre todas essas histórias, mas creio que era
importante para mostrar agora certo número de coisas que me parecem [formar],
como posso dizer, a armadura original do neoliberalismo.
Primeiro ponto a salientar, este:
vocês vêem que a intervenção governamental – e isso os neoliberais sempre
disseram – não é menos densa, menos frequente, menos ativa, menos contínua do
que num outro sistema. Mas o que é importante é ver qual é agora o ponto de
aplicação dessas intervenções governamentais. O governo – nem é preciso dizer,
já que se está num regime liberal – não tem de intervir sobre os EFEITOS do
mercado. Tampouco tem – e é isso que diferencia o neoliberalismo, digamos, das
políticas de bem-estar e coisas assim, que se conheceu [dos anos 20 aos anos
60] -, o neoliberalismo, o governo neoliberal não tem de corrigir os efeitos
destruidores do mercado sobre a sociedade. Ele não tem de constituir, de certo
modo, um contraponto ou um anteparo entre a sociedade e os processos
econômicos. Ele tem de intervir sobre a própria sociedade em sua trama e em sua
espessura. No fundo, ele tem de intervir nessa sociedade para que os mecanismos
concorrenciais, a cada instante e em cada ponto da espessura social, possam ter
o papel de reguladores – e é nisso que a sua intervenção vai possibilitar o que
é o seu objetivo: a constituição de um regulador de mercado geral da sociedade.
Vai se tratar, portanto, não de um governo econômico, como aquele com que
sonhavam os fisiocratas, isto é, o governo tem apenas de reconhecer e observar
as leis econômicas; não é um governo econômico, é um governo de sociedade.
Aliás, no colóquio Lippmann houve alguém, um dos palestrantes que, em 1939,
sempre buscando essa nova definição do liberalismo, dizia: não poderíamos
chama-lo de “liberalismo sociológico” ?
Em todo caso, é um governo de sociedade, é uma política de sociedade o
que os neoliberais querem fazer. Aliás, foi Muller-Armack que deu à política de
Erhard o nome significativo de Gesellschaftspolitik. É uma política de
sociedade. As palavras, afinal, querem dizer o que [dizem], e a trajetória das
palavras indica de fato os processos que elas podem indicar. Quando Chaban, em
1969-1970, propõe uma política econômica e social, ele a apresenta como um
projeto de sociedade, isto é, ele fará exatamente da sociedade o alvo e o
objetivo da prática governamental. E nesse momento passa-se de um sistema,
falando grosseiramente, de tipo keynesiano, que havia mais ou menos persistido
na política Gaullista, a uma nova arte de governar, a que será efetivamente
retomada por Giscard. É esse o ponto da fratura: o objeto de ação governamental
é o que os alemães chamam de “die soziale Umwelt”, o ambiente social.
Ora, em relação a essa sociedade
que se tornou portanto, agora, o próprio objeto da intervenção governamental,
da prática governamental, o que o governo sociológico quer fazer ? Ele quer
fazer, é claro, que o mercado seja possível. Tem de ser possível se se quiser
que desempenhe seu papel de regulador geral, de princípio de racionalidade
política. Mas o que isso quer dizer: introduzir a regulação do mercado como
princípio regulador da sociedade ? Quererá dizer a instauração de uma sociedade
mercantil, isto é, de uma sociedade de mercadorias, de consumo, na qual o valor
de troca constituiria, ao mesmo tempo, a medida e o critério geral dos
elementos, o princípio de comunicação dos indivíduos entre si, o princípio de
circulação das coisas? Em outras palavras, tratar-se-ia, nessa arte neoliberal
de governo, de normalizar e disciplinar a sociedade a partir do valor e da
forma mercantis ? Será que não se volta, assim, àquele modelo da sociedade de
massa, da sociedade de consumo, da sociedade mercadorias, da sociedade de
espetáculo, da sociedade dos simulacros, da sociedade da velocidade, que
Sombart, em 1903, havia pela primeira vez definido? Não creio.
Não é a sociedade mercantil que
está em jogo nessa nova arte de governar. Não é isso que se trata de
reconstruir. A sociedade regulada com base no mercado em que pensam os
neoliberais é uma sociedade na qual o que deve constituir o princípio regulador
não é tanto a troca das mercadorias quanto os mecanismos da concorrência. São
esses mecanismos que devem ter o máximo de superfície e de espessura possível,
que também devem ocupar o maior volume possível na sociedade. Vale dizer que o
que se procura obter não é uma sociedade submetida à dinâmica concorrencial.
Não uma sociedade de supermercado – uma sociedade empresarial. O homo oeconomicus que se quer reconstruir
não é o homem da troca, não é o homem consumidor, é o homem da empresa, da
produção. Estamos, aqui, num ponto importante sobre o qual procurarei tornar um
pouco da próxima vez. Converge nele toda uma série de coisas.
Primeira, claro, a analise da
empresa, que tinha se desenvolvido desde o século XIX: analise histórica,
analise economica, analise moral do que e uma empresa, toda a serie dos
trabalhos de Weber, Sombart, Schumpeter sobre o que é a empresa sustenta
efetivamente em grande parte a analise ou o projeto neoliberal. E, por
conseguinte, se ha algo parecido com um retorno na politica neoliberal, não é
certamente o retorno a uma pratica governamental do laissez-faire, certamente
não é o retorno a uma sociedade mercantil como a que Marx denunciava no inicio
do livro I do Capital. Procura-se voltar, isso sim, a uma espécie de ética
social da empresa, de que Weber, Sombart, Schumpeter procuraram fazer a
hist6ria politica, cultural e econômica. Mais concretamente, digamos assim, em
1950 Röpke escreveu um texto que se chama Orientação da politica econômica alemã
e foi publicado com um prefacio de Adenauer. Röpke, nesse texto, nessa carta,
diz que o objeto da ação governamental, o alvo final, o objetivo último, é o
quê ? Pois bem, diz ele - e enumero os diferentes objetivos estabelecidos:
primeiro, permitir a cada um, na
medida do possível, o acesso à propriedade privada;
segundo, redução dos gigantismos
urbanos, substituição da politica dos grandes subúrbios por uma politica de
cidades medianas, substituição da politica e da economia dos grandes conjuntos
por uma política e uma economia de casas individuais, incentivo as pequenas
unidades de cultivo e criação no campo, desenvolvimento do que ele chama de
indústrias não-proletárias, isto é, o artesanato e o pequeno comércio;
terceiro, descentralização dos locais de moradia, de produção e de gestão,
correção dos efeitos de especialização e de divisão do trabalho, reconstrução
orgânica da sociedade a partir das comunidades naturais, das famílias e das
vizinhanças;
enfim, de um modo geral, organização,
adequação e controle de todos os efeitos ambientais que podem ser produzidos,
ou pela coabitação das pessoas, ou pelo desenvolvimento das empresas e dos
centros de produção. Trata-se, em linhas gerais, diz Röpke em 1950, de
"deslocar o centro de gravidade da ação governamental para baixo".
Pois bem, esse texto, como vocês
devem reconhecer, foi repetido 25.000 vezes nos últimos 25 anos. E, de fato, o
que constitui atualmente a temática da ação governamental, e seria certamente
equivocado ver nisso apenas uma cobertura, uma justificação e um biombo detrás
do qual outra coisa se desenrola. Em todo caso, e preciso procurar toma-lo pelo
que ele se propõe, isto é, por um programa de racionalização e de
racionalização econômica. De que se trata então ? Pois bem, quando examinamos
um pouco melhor, podemos entender tudo isso como uma espécie de retorno mais ou
menos Rousseauniano à natureza, algo como o que, aliás, Rustow chamava, com uma
palavra bastante ambígua, de "Vitalpolitik", política da vida"'.
Mas o que e essa Vitalpolitik de que Rustow falava e de que temos ai uma expressão
?
Na verdade, não se trata, como vocês
vêem, de constituir uma trama social em que indivíduo estaria em cantato direto
com a natureza, mas de constituir uma trama social na qual as unidades de base
teriam precisamente a forma da empresa, porque o que e a propriedade privada,
senão uma empresa ? O que e uma casa individual, senão uma empresa ? O que é a
gestão dessas pequenas comunidades de vizinhança[...], senão outras formas de
empresa ? Em outras palavras, trata-se de generalizar, difundindo- as e
multiplicando-as na medida do possível, as formas "empresa" que não
devem, justamente, ser concentradas na forma nem das grandes empresas de escala
nacional ou internacional, nem tampouco das grandes empresas Estatais. É essa
multiplicação da forma empresa no interior do corpo social que constitui, a meu
ver, o escopo da política neoliberal. Trata-se de fazer do mercado, da concorrência
e, por conseguinte, da empresa o que poderíamos chamar de poder enformador da
sociedade.
E, nessa medida, vocês vêem que
estamos no ponto de confluência em que sem dúvida é reativado um certo número
de velhos temas sobre a vida familiar, a co-propriedade e toda uma série de
temas críticos, que são os temas críticos que vemos correr por toda parte
contra a sociedade mercantil contra a uniformização pelo consumo. E é assim que
vocês têm exatamente uma convergência - sem que haja em absoluto algo como o resgate,
palavra que não quer dizer rigorosamente nada -, a meio caminho entre a crítica
que era feita, digamos, num estilo Sombartiano, a partlr de 1900 mais ou menos,
contra essa sociedade mercantil, uniformizadora, etc., e os objetivos da
politica governamental atual. Eles querem a mesma coisa. Simplesmente,
enganam-se os críticos que imaginam, quando denunciam uma sociedade, digamos,
"Sombartiana" entre aspas, quero dizer, essa sociedade
uniformizadora, de massa, de consumo, de espetáculo, etc., eles se enganam
quando crêem que estão criticando o que é o objetivo atual da politica governamental.
Eles criticam outra coisa. Eles criticam uma coisa que sem duvida esteve no
horizonte implícito ou explicito, querido ou não, das artes de governar dos
anos [20 aos 60]. Mas nos superamos essa etapa. Não estamos mais aí. A arte de
governar programada por volta dos anos 1930 pelos ordoliberais e que agora se
tomou a programação da maioria dos governos dos países capitalistas, pois bem,
essa programação não visa em absoluto a constituição desse tipo de sociedade.
Trata-se, ao contrário, de obter uma sociedade indexada, não na mercadoria e na
uniformidade da mercadoria, mas na multiplicidade e na diferenciação das
empresas.
Eis a primeira coisa que eu
queria lhes dizer. A segunda - acho que não vou ter tempo agora -, segunda
consequência dessa arte liberal de governar, [são] as modificações profundas no
sistema da lei e na instituição jurídica. Porque, na verdade, entre uma
sociedade indexada na forma da empresa [...] e uma sociedade em que o principal
serviço público é a instituição judiciária, há um vínculo privilegiado. Quanto
mais você multiplica a empresa, quanto mais você multiplica as empresas, quanto
mais você multiplica os centros de formação de uma coisa como uma em presa,
quanto mais você força a ação governamental a deixar essas empresas agirem,
mais, é claro, você multiplica as superfícies de atrito entre cada uma dessas
empresas, mais você multiplica as ocasiões de contenciosos, mais você
multiplica também a necessidade de uma arbitragem jurídica. Sociedade
empresarial e sociedade judiciária, sociedade indexada à empresa e sociedade
enquadrada por uma multiplicidade de instituições judiciárias são as duas faces
de um mesmo fenômeno.
É
nisso que gostaria de insistir na próxima vez, desenvolvendo também outras
consequências, outras formações na arte neoliberal de governar.=========
Por fim, um pouco de F.A.Hayek, um dos mais importantes membros da Escola Austríaca, os ordoliberais, falando sobre um tema muito, muito caro para muitos de nós:
"Se, por exemplo, fosse verdade
que o controle centralizado dos meios de produção pudesse gerar um produto coletivo
pelo menos da mesma magnitude do que geramos agora, na realidade a maneira como
isto poderia ser feito de modo justo viria a constituir um grave problema moral.
No entanto, não é esta a situação em que nos encontramos. Pois não existe qualquer
outra forma conhecida, além da distribuição dos produtos num mercado
competitivo, de informar os indivíduos sobre a direção que seus vários esforços
deverão visar de modo a contribuir tanto quanto possível para o produto total." (Hayek; A arrogância fatal e os erros do socialismo; 1988; p. 22)
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