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Legitimidade da violência - reflexões a partir da morte do repórter, no Rio de Janeiro

     O Estado, por definição, é uma ditadura é violência exercida legitimamente das mais variadas formas. É uma produção da sociedade, tanto em termos abstratos (instituições), como em termos concretos (burocratas organizados para determinados fins). A que senhor ao longo do tempo a violência serve ? Em função de quem responde a pergunta, a resposta varia: a uma classe social (não classes estatísticas de agregação de consumo (A, B, C, D e E)); a um governo; a uma elite; entre outros conceitos que tentam dizer que o senhor não é TODA a sociedade, sequer a maioria dela, que este senhor é sempre minoritário e defende interesses próprios que a maioria acredita ser seus também.

     Hoje, uma colega da carreira de Analista de Políticas Sociais informou-nos que o Ministério da Justiça, por meio da Força Nacional, realizará treinamentos para que os repórteres ajam conforme repórteres que fazem cobertura em regiões de guerra declarada e explícita. Essa informação fez-me escrever um pequeno texto contendo pensamentos ainda não muito bem estruturados sobre a morte do repórter da BAND.



     Interessante essa iniciativa do Ministério da Justiça: dado que há conflitos, dado que a imprensa é livre, então, que os jornalistas sejam treinados em técnicas defensivas. Toda população deveria saber técnicas mínimas, mas isso é outro tópico: serviço militar obrigatório e capacidade de mobilização.



     No entanto, as técnicas defensivas usadas em zonas de guerra implica m ação coordenada e confiança do jornalista no soldado, no combatente, no Estado, em ultima instância.

     Sabe o que mais me chamou a atenção nesse episodio relacionado com a morte do jornalista ?  A relação dos grupos civis envolvidos e as forças policiais (o Estado).

     Na primeira vez que as notícias foram dadas, acusavam-se os policias. A bomba teria sido lançada pela polícia: policiais agressivos, despreparados, etc, etc, etc. Em outras palavras: o Estado, a violência estatal havia sido  utilizada no alvo errado e com força demasiada. Isso não é legítimo em uma sociedade democrática, com direitos humanos, etc.

     Depois, viu-se que, na verdade, a vítima (o alvo) era para ser um soldado, um policial. O alvo original do projétil era um burocrata anônimo, que mora em uma favela qualquer, mas anônimo. O Estado, invisível.


Enfrentamento em Kiev. 2014.


     Este negócio me incomoda muito:  pode-se agredir um policial, mas o revide é inaceitável para muitos. Incrível, não ?!  Não estou defendendo a PM, organização representante do Estado, aquela forca concreta que faz o Estado ser uma ditadura SEMPRE, pois Estado é força, nada mais, nada menos.

     Creio que meu incomodo com o ocorrido tem duas origens: uma intelectual e uma emocional:

     a) emocionalmente: devido a meus treinos em Aikido e Arnis Kali, conheço muitos policiais; são pessoas como eu e você; são servidores públicos que tem um trabalho especifico que é exercer aquilo que Weber chama de monopólio LEGÍTIMO da violência... que é ótimo quando protege a integridade física e patrimonial dos "cidadãos de bem", mas que é terrível (e ilegítimo ?), quando estes são o objeto da violência estatal ;

    b) intelectualmente, o ocorrido dialoga com um fenômeno que Negri e Hardt apontam em seu livro Multidão. Guerra e democracia na época do Império: há uma deslegitimação do uso da violência por parte do Estado, entre Estados e no interior de cada Estado... isso não diminui a violência, mas a torna mais perene, mais difusa, podem ser justificada e legitimada a partir de qualquer argumento.

     Minha pergunta fundamental é:  se o repórter estivesse meio metro a esquerda ou a direita, o rojão não o teria atingido. Algum policial seria atingido. Se o policial morresse ?  Haveria comoção ?  Provavelmente o policial não morreria, pois utiliza equipamentos de proteção, no entanto, como toda ação provoca uma reação com a mesma força e sentido oposto, hoje estaríamos falando do "coitado do black bock" que apanhou da policia ?

    Não sei...  Algumas pessoas não têm noção de certas coisas, pois estamos deixando que o Estado assuma coisas que cada um deveria fazer e ensinar a seus filhos desde pequenos: como, por exemplo, se defender na escola ou na rua. Uma tutela que é utilitária, mas que faz que percamos muito em coesão social, em respeito pelo outro, etc. Da noção do perigo, que nos ajuda muito a não fazer bobagem !

     Minha origem é na extrema-esquerda brasileira: já fiz piquete, já enfrentei a polícia, já apanhei, já bati, mas tudo dentro de um certo grau de consciência das consequências de cada ato, à direita, ou à esquerda.

     Essa historia toda me incomoda muito. Acredito que estamos vivendo um momento de transição importante, onde questões como a legitimidade do uso da violência pelo Estado e pelas organizações não-estatais aparece; direito de autodefesa; entre outras coisas.

    Esse é um bom episodio para reflexão calma dos diferentes pontos-de-vista. Será que estou ficando velho ?



Jovens Panteras Negras, educados para saberem se defender.

*********
Certa vez Clint Eatwood, pessoa que muito respeito e admiro, disse em uma entrevista:


Meu pai tinha um casal de filhos no início da Grande Depressão. Não havia emprego. Não havia previdência social. Mal se conseguia sobreviver. Naquele tempo as pessoas eram mais duronas.

Vivemos numa geração meio mariquinha, todo mundo diz: “Vamos lidar psicologicamente com isso?” Naquela época, você simplesmente sentava o pau e resolvia na porrada. Mesmo que o cara fosse mais velho e fortão, pelo menos você era respeitado por encarar a briga, e te deixavam em paz.

Não sei se dá para dizer exatamente quando começou essa geração mariquinha. Talvez tenha sido quando as pessoas começaram a se perguntar sobre o sentido da vida. (...)



Mariquinha não tem relação com ser homossexual, mas com passividade mediante uma situação exige agressividade, atividade. Essa passividade, quando coletivamente compartilhada, leva a uma sobrevalorização da mediação do Estado, Estado (polícia, advogado, justiça) penso eu. Alguns grupos sociais brasileiros estão passando por isso nesse exato momento.
Socorro Estado ! Fulaninho(a) quer me bater ! 
Socorro Estado ! Fulaninho/a me chamou de feia(o) !
Socorro Estado ! Fulaninho/a me chamou de gordo(a) !
Socorro Estado ! Fulaninho/a me chamou de magro(a) !

Por aí !
**********

Os pensamentos ainda estão indo e vindo, como um mar de ondas pequenas, mas frequentes graças aos ventos.

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