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Muros, multidão, rolezinhos, controles...

Felizmente estou conseguindo voltar a ler conteúdos que considero importantes. Há alguns dias atrás, consegui concluir a leitura do bom livro "Inteligência na guerra", de John Keegan.

Essa semana voltei a ler o livro "Multidão. Guerra e democracia na era do Império", de Hardt e Negri; que foi-me carinhosamente emprestado por um grande amigo.

Hoje de manhã fui surpreendido com uma notícia no matinal televisivo "Bom dia DF !", sobre uma proposta dos moradores dos arredores de uma das enseadas do Lago Norte para a construção de um muro para limitar o acesso ao Lago. Interessante é que o pedido segregacionista conta com 2 mil assinaturas de apoio.

Para quem não conhece o Plano Piloto, o Lago Paranoá é dividido cartesianamente em Norte e Sul, conforme a lógica modernista dos criadores. Quando havia poucos seres humanos morando no Plano, o Lago era um lugar distante. Atualmente, é cercado de clubes e mansões. A mais famosa delas, a Casa da Dinda, do ex-presidente Collor.

Diferentemente da Lagoa Rodrigo de Freitas, no RJ, cujas margens são de acesso público: todos tem acesso às margens e as águas; em Brasília, boa parte das margens são inacessíveis à população, pois são parte das mansões ou clubes, ou seja, parte do Lago Paranoá é propriedade privada. 

Detalhe: parte dos clubes é propriedade de associações de servidores públicos.

Desta forma, o que poderia ser um bem comum que atendesse às demandas de lazer e de alento durante o período de seca e calor, é algo para muito poucos.

O motivador do abaixo-assinado, segundo a reportagem, são "eventos" que ocorrem às margens. Eventos, leia-se: encontro de centenas de pessoas, som alto, gritaria, bebedeira na madrugada. Obviamente que isso não é agradável e deve ser feito em lugar onde não incomode quem quer/precisa dormir (alguém não precisa ?).

Uma pergunta inocente: murar a margem do Lago impedirá o som perturbador de continuar se propagando na atmosfera e chegar às mansões e outros lugares ?  E as festas feitas nos clubes privados às margens do Lago ou nos barcos ?  Não incomodam ?

Muros cercando um lago semiprivatizado, exatamente no espaço que ainda é público. Mas, afinal, o que tem isso em relação ao livro de Hardt e Negri ?

Uma coisa: um incremento ou maior visibilidade em relação à intolerância social/racial. Escrevi sobre isso em O "discreto" charme da maioria.

Os "rolezinhos" dos pretos/pobres são um exemplo: dada a visibilidade, os governos locais e federal iniciarão uma política de contenção usando como tática as áreas de lazer próximo às residências dos "rolezeiros". Será isso um processo de "guetização" ?

Em certo trecho do livro, Hardt e Negri, analisando as guerras justas atuais (terrorismo, narcotráfico, etc), afirmam:

"A face interna das doutrinas da guerra justa e da guerra contra o terrorismo é um regime empenhado no controle social quase completo, descrito por alguns autores como transição do Estado do bem-estar social para um Estado de guerra e caracterizado por outros como uma sociedade de tolerância zero. Trata-se de uma sociedade na qual a diminuição das liberdades civis e o aumento dos índices de encarceramento constituem, sob certos aspectos, uma manifestação de uma guerra social permanente. Cabe notar que esta transmutação dos métodos de controle coincide com uma transformação social extremamente forte (em termos de biopolítica)
As novas formas de poder e controle funcionam em contradição cada vez mais acentuada com a nova composição social da população, servindo apenas para bloquear suas novas formas de produtividade e expressão. (...)
Trata-se, de qualquer maneira, de uma situação altamente contraditória, na qual as iniciativas dos poderes dominantes para manter o controle tendem a minar seus próprios interesses e autoridade."


Pois é...  Multidão, rolezinhos, controles, segregacionismos diversos, tragédia dos comuns financiada pelo Estado, entre outras coisas. 

Mal-estar.


Vista aérea da Casa da Dinda.


Clube da Associação dos Servidores do Senado


Clube da Associação dos Servidores do Banco Central



Comentários

  1. E assim mesmo... Estou lendo um livro chamado "Os anjos bons da nossa natureza", de Steven Pinker que carateriza estes fenômenos (que acontecem no mundo inteiro) como "Invasões Barbaras". As historias dos bárbaros forma contadas pelos romanos, do mesmo jeito que as festas nos pouquíssimos lugares públicos do Lago são contadas pelos donos das casas (que para seguir a analogia, foram ainda mais bárbaros em seu momento quando se apropriaram ilegalmente das margens do Lago como mostram as fotos). Do mesmo jeito, esta invasão dos que "não foram convidados a esta festa pobre", e percebida como uma invasão, igual que os WASP de Texas olham aos mexicanos (aos que eles invadiram e desalojaram pouco tempo atras).

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    Respostas
    1. É por aí...
      Em ciência política há um conceito chamado "síndrome do nós e eles". Nós, os bons, eles, os maus. Nós, os cidadãos honestos e eles os corruptos. E, na verdade, na verdade, é o mesmo grande grupo social, apenas variações sobre o mesmo tema de fundo.

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